Natal 25/12/2024
Não é fácil viver com os outros, mas é ainda mais difícil viver sozinho." — Franz Kafka.
Escrevo este texto no dia mais melancólico do ano, o dia após a ceia de Natal. A vibe desse dia tomou ares ainda piores após a primeira assinatura na carteira de trabalho. Porém, quero falar sobre a ceia de natal, mais especificamente o recebimento de presentes; pois, o meu em particular resultou nesse texto que você lê.
Há cerca de um mês entrei em contato com um vídeo de uma bela moça em uma rede social, o vídeo em questão era sobre uma banda brasileira que “imitava” a estética dos Beatles, O que mais me impressionou não foi apenas a moça chorando litros de lágrimas, mas o modo como ela se entregou emocionalmente à história da banda. Vi nela uma conexão profunda, que me fez pensar: 'Se até a imitação desperta isso, o que dirá o original?'. Foi nesse momento que percebi que eu conhecia algumas músicas dos Beatles, mas eu nunca tinha me aprofundado ou escutado um álbum inteiro. Foi aí que eu me vi preso em mais um hiperfoco momentâneo, ou como gosto de chamar FUCK. - Foco Ultra Curioso e Kafkiano; o mal que me atormenta desde a infância, sempre me arrastando de um interesse para outro sem aviso.
Não consigo dizer exatamente quando o FUCK nasceu, a memória mais antiga que tenho de curiosidade doentia foi aos 13 com livros. Nessa época, eu mergulhava em desenhos e filmes na TV, e em um desses momentos, uma ideia surgiu: e se eu criasse o meu próprio desenho? Assim, comecei a explorar o mundo dos roteiros, e entre as várias habilidades exigidas, a leitura parecia ser o único ponto de partida. Me lembro de ler os 8 livros da coleção de fantasia Deltora Quest, que peguei de alguém da escola enquanto não conseguia adquirir os meus próprios; as livrarias e bibliotecas passaram a ser meus locais favoritos. Foi também nesse período que entrei em contato com vídeos de divulgação científica no YouTube, o assunto me cativou muito na época e eu alcancei o ápice do ateísmo aos 14 anos. Criei até um blog onde falava sobre as censuras no Google Earth e a existência de alienígenas. O ateísmo militante não durou muito e logo foi substituído pela aquisição do FIFA 14, que, ao longo de muitas horas de jogo, consumiu boa parte da minha vida. Mas, ao menos, rendeu ao modesto Schalke 04 incríveis 15 Bundesliga e 10 Champions Leagues, se não estou enganado.
Foi então, em determinado momento, que comecei a perceber que meus interesses duravam de 2 semanas a no máximo 2 meses sobre um determinado assunto. Eu despertava uma curiosidade intensa sobre aquilo e esfarelava o tema o máximo que podia, sem parar. Assuntos esses que iam de Futebol a Cinema, Kanye West a Pokémon, Religião a Beatles. Algumas pessoas usam a expressão 'Meu império romano' para descrever algo que elas pensam constantemente. Foi assim que eu descobri que eu tenho uma série de 'Impérios Romanos' e todos os meus FUCKs viajam pelos meus neurônios ao mesmo tempo, o tempo todo, disputando entre si quem vai me comandar naquele momento. Essa condição possui prós e contras, vamos a eles.
O Foco Ultra Curioso me possibilitou saber superficialmente sobre muitas coisas, mas profundamente sobre nada, porque, em determinado momento, meu cérebro simplesmente perde o interesse, e aí não há mais tempo para profundidade. Isso me fez desenvolver a habilidade de conversar sobre qualquer assunto, o que seria uma ótima qualidade... se eu não passasse 99% do meu tempo livre em casa, ocupado com uma nova FUCK. Haha! Porém, foi graças a elas que eu nunca precisei estudar de fato para provas da escola, não vou elaborar, mas eu tinha a sensação que eu já sabia o que o professor ainda iria ensinar. Não há nenhuma falsa modéstia aqui, afinal, isso não me trouxe nenhum benefício real, somente a infrequência na escola, que por sinal eu odiava ir. Isso durou até o ensino médio onde surgiu um grande arco na minha vida, um dos maiores FUCKs que eu tive e ainda tenho; Economia e Política.
O ano era 2017, e o Brasil inteiro parecia obcecado por política. Eu não fui diferente, e minha mente inquieta me levou a mergulhar fundo — muito fundo — nesse universo. Lá estava eu, o pensador do impasse, aos 16 anos, lendo Roger Scruton, assistindo Brasil Paralelo e Terça Livre, pronto para enfrentar a suposta ameaça comunista no Brasil. Por mais que hoje eu sinta vergonha desse arco da minha vida, ele teve um papel importante na formação de pensamentos que resgataria mais tarde. Após a eleição de 2018, percebi que meu interesse estava menos no jogo político e mais na economia. Ficava horas assistindo jornalistas da GloboNews debaterem sobre taxa de juros, câmbio flutuante, períodos anticíclicos... Eu estava fascinado com aquele mar de palavras que, na época, eu nem sabia o que significa. Foi então que ganhei de aniversário da minha mãe um livro chamado O Livro da Economia, da Editora Globo. Foi aí que entrei de cabeça na minha Economy FUCK. Comecei a acompanhar um site de economia austríaca e a devorar livros de Mises e Rothbard, mergulhando cada vez mais fundo no Liberty Overload da cobrinha que morde. Aos poucos, fui me distanciando do polo Old-School Vibes Only e abraçando o caos organizado do mercado livre.
I read the news today, oh, boy
About a lucky man who made the grade
And though the news was rather sad
Well, I just had to laugh
Esse arco da economia culminou na minha entrada na Universidade Federal em 2020, no curso de Ciências Econômicas. Durante o curso, tive acesso a um vasto arcabouço de conteúdo, que rapidamente desconstruiu todas as certezas que eu carregava até então. Nunca fui fã de colocar ponto final nas coisas que começava, mas, dessa vez, parecia que tudo estava em constante reavaliação. Bastou uma aula de Macroeconomia para despertar em mim o desejo de entender como a economia funcionava de maneira técnica. Não precisaram nem 2 semanas para eu ser sugado para o polo Soviet Lovers. Toda a ideia anárquica dos meus 17 anos havia se fundido com a interpretação marxista da realidade. Neste texto, por mais que eu queira, não entrarei nos méritos dos temas citados.
Fazer esse exercício de relembrar todos os ciclos que minha mente percorreu é uma tarefa difícil. O elementar, aqui, meu caro, é entender que minha mente trabalha de maneira circular, recorrendo a assuntos já visitados e, na maior parte das vezes, adicionando outros. E, além do gasto de tempo, existe também o gasto financeiro que esses FUCKs geram para mim e para as pessoas ao meu redor. Analisando temas mais recentes, consigo perceber que meus focos têm durado períodos maiores, e isso é um bom sinal. Mas, ainda assim, percebo minha mente buscando algo novo para se apegar. Enquanto estou no meio de um FUCK (kkkk, sempre vou rir disso), parece que tudo faz sentido; porém, em determinado momento, já não sei mais por que comecei aquilo, e perco completamente o interesse.
O ano de 2024 foi marcado por novos Focos Ultra Curiosos, como tudo que foi produzido por Arthur Petry, o Catolicismo Ortodoxo (100% responsabilidade de um grande amigo meu que me apresentou o assunto), seguido de Calvinismo e chegando até os Beatles. Esses temas foram ainda mais intensificados devido à minha recente volta a frequentar a Igreja e às viagens de final de ano, onde pude conhecer diversas catedrais, visitar um museu dos Beatles e até adquirir um vinil de Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band. Como no Natal sentimos o cheiro de boa comida, eu já consigo sentir os próximos labirintos que irei percorrer como Xadrez, Seinfeld, Arquitetura Brutalista, entre outros...
Tive a ideia de criar um espaço onde eu possa escrever sobre esses assuntos que permeiam minha consciência, com a finalidade puramente cômica de permitir que meu eu futuro leia. Citei aqui apenas alguns temas entre milhares, que provavelmente acabarei escrevendo sobre algum dia por aqui.
Nessa altura do texto, você já deve saber qual foi meu presente de Natal.
Sim, uma vitrola.
Mas eu não lembro mais o porquê.
👏🏻👏🏻 escrita muito boa e cativante
ResponderExcluir